Um rio, na sua tranquila corrida para
o mar, chegou e a um deserto e parou. Diante de si, tinha somente pedras
espalhadas por todo lugar e dunas de areia a perder de vista. Ficou paralisado
pelo medo. – É o meu fim – pensou desesperado – nunca vou conseguir atravessar
este deserto. A areia vai engolir a minha água e eu vou desaparecer. Nunca mais
chegarei ao mar. Sou um rio fracassado.
Aos poucos as suas águas começaram a
ficar sujas. O rio estava virando lama e estava morrendo. O vento, porém, tinha
ouvido as suas lamúrias e decidiu salvar-lhe a vida.
– Não tenhas medo, deixa que o sol te
esquente. Tu vais subir ao céu na forma de vapor. Depois eu mesmo pensarei o
restante.
Mas o medo do rio aumentava:
- Eu não sou feito para voar nos ares, eu devo correr entre as margens,
líquido e majestoso.
O vento insistiu e explicou:
- Quando chegares ao céu, vais te transformar numa nuvem. Eu te levarei
além do deserto e tu poderás cair novamente sobre a terra, na forma de chuva,
vais voltar a ser rio e vais chegar ao mar.
O rio, porém, teve mais medo ainda. Assim foi devorado pelo deserto.
Podemos dizer isso de muitas formas, mas a nossa vida é feita de
contínuas transformações. Somos sempre a mesma pessoa, mas também mudamos. As
etapas da vida nos fazem passar pela infância, pela juventude, pela idade
adulta e, enfim, pela velhice. Os traços pessoais permanecem, no entanto, às
vezes, mudamos tanto que ficamos quase irreconhecíveis. As maiores
transformações, porém, não são as do nosso corpo. Mudamos muito mais nas
ideias, nos afetos, nos pensamentos, nos sonhos e nas esperanças. O ser humano
vive em transformação. É por isso que queremos saber de onde viemos e para onde
vamos. Se a vida é um caminho, para onde nos conduz? Podemos encontrar as
respostas escutando o que o Filho, Jesus, nos diz, dando ouvido e acreditando
na voz do Pai que o enviou. A missão de Jesus foi a de nos fazer conhecer o
amor do Pai. Ele quis reconduzir a humanidade ao encontro com Deus, numa nova
aliança de amor. Deu atenção aos mais afastados, aos mais sofridos, buscou as
ovelhas perdidas. Desmascarou uma religiosidade hipócrita feita de rigor
exterior e sem coração. Perdoou e não condenou os pecadores. Entregou
totalmente a sua vida a esta missão e pagou muito caro por tudo isso: foi morto
na cruz. No entanto abriu o único caminho possível para a verdadeira
transformação da vida pessoal de cada ser humano e do mundo inteiro: o caminho
do amor. Os apóstolos começaram a entender tudo isso somente na manhã radiosa
da Páscoa e ao anoitecer daquele dia quando o reencontraram ressuscitado. Cada
um de nós é chamado a dar um sentido às transformações que acontecem em sua
vida. Cada etapa é o fim de algo, mas pode ser também um novo começo. Vale
também para os acontecimentos da vida. Alguns são esperados e preparados,
outros nos pegam de surpresa e devemos reaprender a conviver com a nova
situação. Tudo, em nossa vida, poderia – ou deveria – servir para nos tornar
melhores. Mais capazes de amar e sofrer; mais capazes de doar e aceitar ser
ajudados; mais capazes de confiar e ser confiáveis. Mais corajosos na fé, mais
firmes na esperança e mais generosos no amor. Mais felizes. Nem sempre isso
acontece. Muitas vezes mudamos para pior. Ficamos mais egoístas, interesseiros,
vingativos e rabugentos. Sempre mais tristes e perdidos. É porque deixamos de
prestar atenção e acreditar naquilo que Jesus fez e ensinou. O caminho para a
vida nova da ressurreição passa pela subida ao Calvário, tem que morrer um
pouco todo dia ao nosso orgulho para deixar a paz do Senhor tomar conta do
nosso coração. “Somos cidadãos do céu” nos lembra a carta aos Filipenses. Somos
rios que devem correr para o mar, de transformação em transformação. Não somos
feito para morrer nos desertos da vida.
Dom Pedro José Conti – Bispo de
Macapá
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